20 julho 2011

O orgulho que resta à nódoa

Vejo na televisão uma manifestação de racistas. Um porta-voz diz aos jornalistas, com as poucas competências linguísticas que conseguiu desenvolver até à idade adulta, que «tem orgulho em ser branco».

Claro que tem «orgulho em ser branco»: quando não se pode ter orgulho em ser inteligente, em ter talento, em ter aumentado a sua cultura e educação, em ser boa pessoa, em ter-se aperfeiçoado, em ter ajudado pessoas, em ter feito o mundo melhor ou em ter sido um exemplo para os outros. Quando não se pode ter orgulho em ser apreciado por pessoas de proveniências e culturas diferentes, em ter estado num país estrangeiro, ter feito amigos e ter deixado saudades. Quando não se pode ter orgulho em saber cozinhar, falar, dançar, tocar um instrumento, pintar, amar e ser amado por uma pessoa que admiramos, trabalhar no duro, ter boa caligrafia, aprender um idioma, ser autor de um invento, conhecer a história do seu país, ter criado filhos e netos, ser um bom marceneiro, ou um bom professor, ou um bom servente de pedreiro. Quando não se pode ter orgulho em saber alinhar duas ideias, saber compreender uma única ou ter tido nenhuma.

Quando não se pode ter orgulho de nada, tem-se orgulho em «ser branco». É o que resta ao destituído total. Também a nódoa no pano, coitada, deve ter orgulho em «ser nódoa», o buraco em «ser buraco», a bosta em «ser bosta».

No entanto, o que esse imbecil ainda não entendeu é que ele nem sequer teve responsabilidade em ser branco. É só branco por acaso.

Tem, de facto, muito pouco de que se orgulhar.

Rui Tavares em "Pobre e mal agradecido" ,editora Tinta-da-China, 2006

1 poesias :

mfc disse...

Quase que sou obrigado a dizer... que tristeza ser branco assim!

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